Falácias sobre o Guarda-Redes de Futebol (Parte 1) - Departamento Eagle One, por Fernando Ferreira



Uma falácia é uma espécie de mentira, é um argumento logicamente inconsistente, inválido, ou que falhe de outro modo no suporte eficaz do que pretende provar. Argumentos que se destinam à persuasão podem parecer convincentes para grande parte do público apesar de conterem falácias, mas não deixam de ser falsos por causa disso. Reconhecer as falácias é por vezes difícil.
Neste artigo vamos tentar contrariar uma série de expressões que são habitualmente proferidas por comentadores e adeptos do futebol em geral. Essas expressões, na nossa opinião, não retratam o nosso modelo de Guarda-Redes.
Estes são apenas alguns exemplos:

"Nos remates diagonais, o 1º poste é do GR!"
Em situações de Defesa da Baliza o GR deve posicionar-se em cima de uma linha imaginária que une a posição da bola e o centro da baliza. Por outras palavras, o GR deve posicionar-se à mesma distância de duas linhas imaginárias que unem a bola e os dois postes da baliza.
Assim, o GR está à mesma distância dos chamados primeiro e segundo poste, seja num remate frontal ou diagonal, e não faz sentido dizer que o GR tem mais responsabilidade sobre um ou sobre o outro poste.
A única coisa que pode alterar ligeiramente este posicionamento é o pé que realiza o remate.


"Nos cantos, o GR deve posicionar-se sempre na 2ª metade da baliza!"
No futebol actual, não faz sentido um posicionamento desse género. Da mesma forma que se pode dizer que o deslocamento à frente é sempre mais rápido e mais fácil que o deslocamento atrás, a bola chega sempre mais rapidamente à zona do 1º poste do que à zona do 2º poste.
Assim sendo, o GR deve adoptar um posicionamento sobre o centro da baliza, mais afastado ou mais próximo da linha de baliza em função do pé que cruza a bola (canto aberto ou fechado).


"Nos livres frontais, o GR é responsável pelo seu lado e não pode sofrer golos nesse lado!"
Na formação de barreiras em livres frontais, o GR deve ter em conta as seguintes premissas:
- "traçar" uma linha imaginária entre a bola e o poste da baliza;
- colocar um jogador e meio exteriormente a essa linha e os restantes interiormente;
- posicionar-se numa zona onde consiga ver a bola partir;
- garantir que esse posicionamento é o mais próximo possível do centro da baliza;
- da mesma forma, deve "ganhar tempo de reacção" posicionando-se o mais próximo possível da linha de baliza ou mesmo em cima dela;
- reagir ao remate e não antecipar o mesmo.
Desta forma, com um posicionamento o mais próximo possível do centro da baliza (desde que veja a posição inicial da bola), o GR é responsável por toda a baliza e não só pelo seu lado.


"Em cantos ou cruzamentos, a pequena área é toda do GR!"
O GR deve posicionar-se de forma dinâmica e sempre em função da posição da bola e do pé que efectua o cruzamento/canto. Deve variar o seu posicionamento em termos de largura e de profundidade, em função da maior ou menor proximidade da bola das linhas de fundo e lateral.
Da mesma forma que varia o seu posicionamento, também varia o seu raio de acção.
Para alguns posicionamentos, é impossível assumir todo o espaço da pequena área como responsabilidade do GR, principalmente nas zonas laterais da mesma.




"O ponto fraco deste GR são os cruzamentos..."
Este é um momento específico de jogo que importa reflectir.
Vários são os GR nacionais e internacionais que são adjectivados como "fracos nos cruzamentos". Aliás, raros são aqueles que são reconhecidos como capazes. Porque será?
O cruzamento é uma das situações mais complexas de interpretar em jogo e de ser treinada.
As variáveis são imensas:
- posicionamento em função da posição da bola (largura e profundidade);
- ajuste em função do pé que cruza;
- orientação dos apoios;
- leitura de jogo/situação dentro da área (nº de adversários e posicionamento dos mesmos);
- tomada de decisão sobre intervenção ou não no cruzamento;
- comunicação com a sua linha defensiva;
- deslocamento para intervenção no cruzamento;
- decisão entre recepção ou desvio;
- cooperação dos seus colegas;
- oposição dos adversários;
- etc.



Toda esta complexidade é difícil de transportar para o treino.
Normalmente, os exercícios de cruzamento tem este tipo de características:
- Analítico, apenas preocupado com as técnicas associadas e sem preocupação com posicionamento e tomada de decisão;
- Centrado no posicionamento, mas sem qualquer preocupação com os factores técnicos ou decisionais;
- Com ênfase na tomada de decisão, mas com lacunas ao nível do posicionamento e correcção técnica;
- Global, com integração dos factores tácticos, técnicos e decisionais, mas sem transfer para o jogo, pois falta cooperação e oposição reais.
Todas estas dificuldades resultam em lacunas de vários GR em várias ou apenas algumas variáveis enumeradas anteriormente.
O caminho é conseguir realizar um pouco de todos os tipos de exercícios de cruzamentos enumerados anteriormente, mas contar com o suporte indispensável do treino integrado com a equipa, p.e., através de exercícios de finalização/circulações tácticas.
É fundamental recriar no treino o contexto que vamos encontrar no jogo e isso é impossível trabalhando cruzamentos apenas no treino específico, pois a cooperação e oposição nunca serão reais, nem com 20 bonecos insufláveis dentro da área.

Concluindo: são só os Guarda-Redes que são fracos ou a sua preparação é que é fraca/desajustada?


Perfil do treinador O Mundo dos Guarda-Redes


- Treinador de guarda-redes do SL Benfica B;

- Ex-treinador de guarda-redes da formação de Real Massamá e Sporting

- Licenciado em Ciências de Desporto pela Faculdade de Motricidade Humana

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